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quarta-feira, 9 de março de 2011

Se alguém lhe responder com a expressão "Pois não!", significa uma afirmação ou uma negação?



Postado por Clave de Sol no sítio Yahoo!Respostas.



Outro dia contou-me uma amiga que uma senhora norte-americana, procurando alugar apartamento em SP, tinha entrado em contato telefônico com três ou quatro imobiliárias e que nenhuma delas quis atendê-la. Sendo inquirida sobre de onde tinha tirado essa conclusão, respondeu:

Toda vez que telefonava e dizia: - Vocês podem me alugar um apartamento, a resposta era sempre a mesma:

- Pois não. Aí eu desisti.

Refletindo sobre esse acontecimento, que tem lá sua graça, é interessante procurar entender como pois não ganhou esse significado positivo.

É comum haver redução de grupos de palavras em que as restantes adquirem, por contiguidade sintática, o significado do conjunto anterior. É o que acontece com a palavra lateral, que é usada como redução de arremesso lateral em frases como: O jogador bateu a lateral. Foi assim, por exemplo, que surgiu a expressão risco de vida, da redução do eufemismo risco de perder a vida. Por isso, é deplorável que a mídia tenha criado o monstrengo risco de morte. 

Voltando à análise do pois não, são comuns, na fala cotidiana, construções como: Você vai me ajudar, não é verdade? A expressão não é verdade tem, por função atenuar o pedido, preservando a face do interlocutor. É como se o enunciador desse a ele o benefício da dúvida, permitindo-lhe dizer não ao pedido feito. Essa expressão acabou reduzida a não é: Você vai me ajudar, não é?

Na fala, esse não é já virou né e há pessoas que pontuam com ela constantemente o que dizem, numa tentativa de, por insegurança psicológica, proteger a face do seu interlocutor. Parafraseando, é como se a pessoa dissesse: "Isso é assim, né? (É assim se você concorda que é)

Bem, antigamente, sobretudo em Portugal, era comum acrescentar a palavra pois antes do não, como nos exemplos:

Todo patriota deveria apostar pelo cavalo do visconde. Pois não é verdade, Sr. Afonso Maia? (Eça de Queirós)

Se virá o bispo à mais antiga e respeitável festividade de nossa igreja? Pois não há de vir, hein? (Almeida Garret)

Esse procedimento era empregado também em respostas como:

- Você me faz esse favor?

- Pois não haverei de fazer?

Ora, todos esses grupos podiam ser reduzidos à forma pois não:

Todo patriota deveria apostar pelo cavalo do visconde, pois não?

Se virá o bispo à mais antiga e respeitável festividade de nossa igreja, pois não?

- Você me faz esse favor?

- Pois não.

No caso da resposta, o seu sentido afirmativo por dedução acaba incorporado a pois não e o sentido negativo do não é desabilitado, da mesma forma que desabilitamos o sentido de locomoção do verbo andar, quando dizemos que Meu DVD ANDA dando problemas ou desabilitamos o sentido de atividade vital quando dizemos que Meu DVD VIVE dando problemas. Andar e viver nesses exemplos, foram adaptados apenas para significar aspecto durativo. Mais breve em andar e mais longo em viver. Concluindo, pois não é resultado da redução de uma expressão mais longa, que significava afirmação por uma espécie de metáfora de polidez, e da desabilitação do sentido original da negação do não.


Antônio Suárez Abreu, linguista, professor livre-docente da USP e titular da Unesp


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